Por: Agnis Monfredini
As relações de trabalho no Brasil têm sido profundamente influenciadas por práticas como a pejotização e a terceirização. Esses conceitos, embora distintos, geram debates intensos, especialmente à luz das reformas trabalhistas e das recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
Hoje, exploraremos as definições, diferenças, implicações legais e os impactos dessas práticas no mercado de trabalho brasileiro.
O Que É Pejotização?
A pejotização refere-se à prática em que empresas contratam trabalhadores como pessoas jurídicas (PJs), ao invés de como empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Nesse arranjo, o trabalhador abre uma empresa própria e presta serviços para a contratante emitindo notas fiscais, ao invés de receber um salário convencional.
Características da Pejotização:
- Relação Jurídica: O trabalhador é tratado como um prestador de serviços autônomo, sem vínculo empregatício direto com a empresa contratante.
- Vantagens para Empresas: Redução de encargos trabalhistas e tributários, como FGTS, férias, 13º salário, etc.
- Desvantagens para Trabalhadores: Perda de direitos trabalhistas garantidos pela CLT, como seguro-desemprego, estabilidade, férias e outros benefícios.
- Motivação: Frequentemente usada para reduzir custos e flexibilizar contratações, mas pode ser considerada uma fraude à legislação trabalhista se caracterizada a subordinação típica de uma relação de emprego.
O Que É Terceirização?
Por outro lado, a terceirização envolve a contratação de uma empresa especializada (terceirizada) para realizar atividades-meio ou atividades-fim dentro de outra empresa. Nesse arranjo, os trabalhadores são empregados da empresa terceirizada, e não da empresa contratante.
Características da Terceirização:
- Relação Jurídica: Envolve três partes: a empresa contratante, a empresa terceirizada e os empregados da empresa terceirizada.
- Vantagens para Empresas: Foco nas atividades principais, redução de custos com gestão de pessoal e flexibilidade na gestão de demandas.
- Direitos dos Trabalhadores: Os trabalhadores terceirizados têm direitos garantidos pela CLT, mas podem enfrentar condições de trabalho e benefícios diferentes em comparação com os empregados diretos da empresa contratante.
- Regulamentação: A Lei nº 13.429/2017 e a Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) no Brasil regulamentam a terceirização, permitindo inclusive a terceirização da atividade-fim.
Diferenças Fundamentais entre Pejotização e Terceirização
- Natureza da Contratação:
- Pejotização: Contratação direta de um prestador de serviços individual (que abriu uma PJ).
- Terceirização: Contratação de uma empresa terceirizada que fornece os trabalhadores.
- Relação Trabalhista:
- Pejotização: O trabalhador não tem vínculo empregatício direto com a contratante e não está sujeito aos direitos trabalhistas da CLT.
- Terceirização: Os trabalhadores são empregados da empresa terceirizada, com vínculo empregatício regido pela CLT.
- Direitos Trabalhistas:
- Pejotização: Trabalhador não tem acesso aos direitos trabalhistas típicos, como férias, 13º salário, FGTS.
- Terceirização: Trabalhador terceirizado tem direito a todos os benefícios e proteções da CLT.
Implicações Legais: Pejotização e Terceirização na Mira da Justiça
Pejotização:
A pejotização é frequentemente vista com reservas e pode ser considerada ilegal se utilizada para mascarar uma relação de emprego. Nesses casos, a Justiça do Trabalho pode reclassificar a relação como vínculo empregatício, obrigando a empresa a pagar todos os direitos trabalhistas retroativos.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST), através do artigo 3º da CLT, tem orientado a reclassificação de contratos de pejotização como vínculos empregatícios quando há caracterização da relação de emprego, marcada por subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade.
- Consequências para Empresas:
- Reclassificação de contratos, com obrigatoriedade de pagamento de todos os direitos trabalhistas retroativos.
- Multas e penalidades por fraude trabalhista.
- Insegurança jurídica devido à incerteza sobre a legalidade da pejotização.
Terceirização:
A terceirização, por outro lado, foi amplamente legitimada pela Reforma Trabalhista e pelas decisões do STF. A Súmula 331 do TST, aprovada em 1993, permitia a terceirização apenas para atividades-meio e estabelecia a responsabilidade subsidiária da empresa contratante pelas obrigações trabalhistas não cumpridas pela terceirizada.
No entanto, a Lei nº 13.429/2017 (Lei da Terceirização) e a Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) ampliaram essa possibilidade, permitindo a terceirização irrestrita, inclusive para atividades-fim, desde que certos requisitos fossem cumpridos, como a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.
Decisão do STF e a Terceirização Irrestrita:
Em agosto de 2018, o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário 958252 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324, decidiu por 7 votos a 4 que a terceirização irrestrita é constitucional, permitindo que empresas terceirizem qualquer atividade, inclusive a atividade-fim.
- Argumentos Utilizados pelo STF:
- Liberdade Econômica: A Corte argumentou que a terceirização irrestrita favorece a liberdade econômica e a livre iniciativa, princípios garantidos pela Constituição.
- Competitividade e Eficiência: A decisão destacou que a terceirização contribui para a competitividade e eficiência das empresas.
- Precedentes Internacionais: O STF considerou que a prática está alinhada com normas internacionais de trabalho e práticas de mercado global.
- Consequências:
- Maior Flexibilidade: Empresas têm maior flexibilidade para terceirizar suas atividades, permitindo foco em suas competências principais.
- Redução de Custos: Pode reduzir custos operacionais ao permitir a contratação de empresas especializadas para determinadas atividades.
- Impacto nos Direitos Trabalhistas: A terceirização irrestrita pode afetar os direitos dos trabalhadores, levando a diferenças de condições de trabalho e benefícios entre empregados diretos e terceirizados.
- Responsabilidade Subsidiária: A empresa contratante mantém a responsabilidade subsidiária em relação aos direitos trabalhistas dos empregados da empresa terceirizada, garantindo uma proteção adicional aos trabalhadores.
Impactos no Mercado de Trabalho
Pejotização:
Embora o STF não tenha uma decisão específica que trate diretamente da pejotização, a prática é frequentemente analisada pelos tribunais trabalhistas, especialmente pelo TST. A pejotização, quando caracterizada como fraude, pode resultar em reclassificação dos contratos e na obrigatoriedade de pagamento dos direitos trabalhistas devidos.
Terceirização:
A decisão do STF sobre terceirização trouxe maior flexibilidade e competitividade para as empresas, permitindo que estas foquem em suas atividades principais e contratem especialistas para outras funções. No entanto, essa flexibilização também gerou preocupações quanto à possível precarização das condições de trabalho.
As práticas de pejotização e terceirização refletem diferentes abordagens de flexibilização das relações de trabalho no Brasil. Enquanto a terceirização foi regulamentada e recebeu o respaldo do STF, a pejotização ainda é vista com desconfiança e pode ser alvo de reclassificações judiciais. Entender essas diferenças é essencial para empresas e trabalhadores navegarem com segurança no atual mercado de trabalho.
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