Por: Sacha Avelino
Anualmente, a Justiça do Trabalho recebe milhões de processos novos, sendo o pedido de horas extras um dos pleitos mais constante. No âmbito da parte reclamada, os empregadores, em regra, fazem uso dos espelhos de ponto e da prova testemunhal para refutar as alegações de horas extras.
Ocorre que nem sempre estas provas são suficientes para o convencimento do Juízo, visto que é comum a afirmativa da parte autora de que após “bater o ponto”, na verdade, retomam às atividades de trabalho. Essa alegativa prejudica a prova documental, “espelho de ponto”, restando, assim na maioria dos casos, a prova a testemunhal como único elemento probatório. O que pode gerar um impasse processual, nos casos que lidam com testemunhas em polos contrários que que apresentam informações divergentes.
Emerge, portanto, a necessidade do uso de evidências digitais, como a solicitação de produção de prova da geolocalização dos reclamantes nos horários em que estes indicam, nas reclamações trabalhistas, que estavam trabalhando fora do expediente constante nos espelhos de ponto apresentados.
Com o uso da geolocalização é possível que se comprove se os reclamantes estavam nas dependências das reclamadas nos horários mencionados nas ações trabalhistas. Sendo certo, que os dados se mostram imparciais e isentos no processo, já que apresentados por terceiro não interessado nos autos e, podem, por consequência, servir para afastar de uma forma contundente as horas extras pleiteadas.
Para obtenção desta prova é necessário que as empresas solicitem em sede de contestação que o Judiciário intime as operadoras de telefonia e empresas de tecnologia como Apple, Facebook, Google e outros. Na prática, o pedido deve ser feito da seguinte forma:
“Requer à Vossa Exa., que sejam intimadas as Empresas de telefonia, para que tragam ao processo os registros com a geolocalização das chamadas e mensagens SMS, referentes à conta vinculada ao telefone celular do(a) autor(a) inscrito no CPF.xxx.xxx.xxx-xx, bem como o histórico de localização do(a) autor(a) no período não colhido pela prescrição, nos dias úteis e no horários entre xxhxx e xxhxx e, ainda, para as Empresas provedoras de e-mails, apresentem o histórico de localização de e-mails do(a) autor(a) no período de xx/xx/xxxx a xx/xx/xxxx, nos dias úteis e nos horários entre xxhxx e xxhxx.”
Não existe obstáculo para a utilização da geolocalização, já que o artigo 369 do Código do Processo Civil destaca que as partes têm o direito de utilizar os meios de prova típicos ou atípicos para que possam influir eficazmente na convicção do juiz. A disposição legal abre, portanto, a possibilidade das partes se valerem dos meios de provas digitais ainda pouco usuais nos ritos processuais. Em complemento, o artigo 370 do CPC, dispõe que “(…) caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito”.
No processo nº 0100476-34.2021.5.01.0074 (ROT), a Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, por unanimidade admitem a produção da prova digital requerida pelo reclamado:
“Com efeito, confere-se ao juiz ampla liberdade de direção do processo, podendo determinar a produção de provas que entender necessárias e indeferir aquelas que julgar inúteis ou meramente protelatórias (art. 370 do CPC).
Essa ampla liberdade, contudo, encontra limite na utilidade da prova, não cabendo o indeferimento da prova para, posteriormente, julgar o feito de forma desfavorável à parte que pretendia produzi-la.
No caso, embora o MM. Juízo de primeiro grau tenha se convencido pela inidoneidade dos controles de ponto, o que se verifica é que, diante dos fatos controvertidos, deveria o reclamado ter tido a oportunidade de produzir a prova digital requerida.
A evolução dos meios digitais e o uso da tecnologia no Poder Judiciário é irrefreável e, mesmo que se calcule que poderá trazer algumas consequências indesejáveis, por certo fará avançar o bom andamento processual, facilitando a dilação probatória e reduzindo a insegurança jurídica, antes gerada por outros meios de prova mais falíveis, como seria a testemunhal”.
Em favor do pedido, também pode ser usada a disposição da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais- LGPD ( Lei 13.709/18) que prevê a possibilidade de o tratamento de dados pessoais ser realizado para o exercício regular de direitos em processo judicial – inciso VI do artigo 7º da lei.
Neste sentido, a utilização da geolocalização na Justiça do Trabalho pode proporcionar ao Judiciário decisões mais assertivas, facilitando a busca da verdade real nos processos e da ampla defesa garantida constitucionalmente e, o Judiciário mesmo que de forma tímida tem reconhecido a utilização desta prova.
Bibliografia
Relatório Geral do TST. Tribunal Superior do Trabalho;
https://pje.trt1.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0100476 34.2021.5.01.0074/2#0d7344a;
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm;
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm;